Sendo uma das obras fundamentais da literatura do século XX, Servidão Humana foi por três vezes adaptado para o cinema. A imagem da capa da edição da Colecção Vintage é referente à primeira das adaptações para o grande ecrã, em 1934. O desempenho de Bette Davis no papel de Milred Rogers, contracenando com Leslie Howard (no papel de Philip Carey), valeu-lhe uma nomeação para o Oscar de melhor actriz. A versão de 1946 (no vídeo) contou com Paul Henreid e Eleanor Parker nos principais papéis. Em 1964, uma nova versão foi protagonizada por Laurence Harvey e Kim Novak.
"Há uma tradição em Israel. Os primeiros-ministros convidam-me para uma conversa introspéctiva e pedem-me os meus conselhos. Eles admiram o que eu digo e depois ignoram-no completamente."
Para ler na íntegra o artigo do The Jewish Journal sobre Amos Oz aqui.
Pode ler a reportagem da palestra de Amos Oz intitulada "Israel – A Personal Perpesctive", proferida no domingo na Universidade de Brandeis, em Boston, nos Estados Unidos, aqui.
O dia raiou cinzento e tristonho. As nuvens adensavam-se, carregadas, e pairava no ar um frio agreste, prenúncio de neve. Uma criada entrou num quarto onde dormia uma criança e correu as cortinas. Olhou mecanicamente para a casa em frente, de estuque branco com um pórtico, e abeirou-se da cama.
– Vamos, Philip, acorde – disse ela.
Puxando os cobertores para trás, pegou-lhe ao colo e desceu as escadas com o menino ainda semiadormecido.
– A sua mãe quer vê-lo.
Abriu a porta de um quarto no andar de baixo e levou-o até uma cama onde estava deitada uma mulher. A mãe dele. A mulher estendeu os braços e o menino aconchegou-se ao seu lado sem perguntar porque tinham ido acordá-lo. A mulher beijou-lhe os olhos; com mãos magras e delicadas, sentiu-lhe o calor do corpo através da camisa de dormir de flanela branca e apertou-o mais contra si.
– Estás com soninho, meu querido? – perguntou ela.
A voz era tão débil que parecia vir de muito longe. O menino não respondeu, mas sorriu feliz. Era tão bom estar na cama grande e quente, com aqueles braços macios a aconchegá-lo. Tentando fazer-se ainda mais pequenino, aninhado ao lado da mãe, deu-lhe um beijo ensonado e, num instante, fechou os olhos e adormeceu profundamente. O médico aproximou-se e parou junto da cama.
– Oh, não o leve ainda – pediu a mulher num gemido.
Sem responder, o médico fitou-a muito sério. Sabendo que não iam deixá-la ficar com o menino por muito mais tempo, a mulher beijou-o novamente e, com a mão, acariciou-lhe o corpinho até aos pés; em seguida agarrou-lhe o pé direito, acariciou os cinco dedinhos e, lentamente, fez-lhe uma festa no pé esquerdo. Depois soltou um suspiro.
– O que foi? – disse o médico. – Sente-se cansada?
Ela abanou a cabeça, sem conseguir falar, e as lágrimas rolaram-lhe pelas faces. O médico inclinou-se sobre ela.
– Deixe-me levá-lo.
Demasiado fraca para resistir, ela deu-lhe o menino e o médico entregou-o por sua vez à ama.
– É melhor ir deitá-lo outra vez na cama dele.
– Sim, senhor doutor.
A criança foi levada, ainda adormecida, deixando a mãe a soluçar, inconsolável.
– O que vai ser dele, pobrezinho?
A enfermeira tentou acalmá-la e, por fim, o choro cedeu à exaustão. O médico aproximou-se de uma mesa, do outro lado do quarto, onde, debaixo de uma toalha, jazia o corpo de um nado-morto. Levantou a toalha e olhou para ele. Estava escondido da cama por um biombo, mas a mulher percebeu o que ele estava a fazer.
– Era menina ou menino? – perguntou ela baixinho à enfermeira.
– Outro menino.
A mulher não respondeu. Pouco depois a ama voltou a entrar no quarto e aproximou-se da cama.
– O menino Philip não acordou – disse ela.
Houve uma pausa e depois o médico tomou novamente o pulso à paciente.
– Penso que por agora não há mais nada que eu possa fazer – disse ele. – Volto depois do pequeno-almoço.
– Eu acompanho-o à porta, senhor doutor – disse a ama.
Desceram as escadas
– Mandou chamar o cunhado de Mrs. Carey, não é verdade?
– Sim, senhor doutor.
– Sabe a que horas chega?
– Não, senhor, estou à espera de um telegrama.
– E o pequeno? Acho melhor que não esteja por aqui.
– Miss Watkin disse que o levava.
– Quem?
– A madrinha dele. O senhor doutor acha que Mrs. Carey vai recuperar?
O médico abanou a cabeça.
Podem fazer o download dos primeiros capítulos de Servidão Humana, de Somerset Maugham, aqui.
Sendo este romance já bastante longo, sinto até vergonha de o tornar ainda mais longo acrescentando-lhe um prefácio. O autor é provavelmente a última pessoa capaz de discorrer com objectividade sobre o seu próprio trabalho. O distinto romancista francês Roger Martin du Gard conta, a propósito desta questão, uma história exemplar sobre Marcel Proust. Proust queria que determinado jornal francês publicasse um artigo sobre o seu grande romance e, pensando que ninguém seria capaz de o fazer melhor do que ele, sentou-se à secretária e escreveu-o ele mesmo. Depois pediu a um jovem amigo, também escritor, que o assinasse e entregasse ao director do jornal. O jovem assim fez, mas passados alguns dias o director mandou-o chamar. “Tenho de recusar o seu artigo” disse ele. “Marcel Proust jamais me perdoaria se eu publicasse uma crítica tão superficial e contundente sobre a sua obra.” Embora os autores sejam susceptíveis em relação ao seu trabalho e revelem tendência para reagir mal às críticas desfavoráveis, raramente o que produzem os satisfaz, pois têm consciência da incomensurável distância que separa a ideia original da obra a que dedicaram tanto tempo e esforço e, ao pensarem nisto, ficam muito mais contrariados com a sua incapacidade de expressarem essa ideia na íntegra do que satisfeitos com algumas passagens para que podem olhar com complacência. O seu objectivo é a perfeição e estão dolorosamente conscientes de não a terem atingido.
Servidão Humana é um dos romances mais emblemáticos do século XX e a obra-prima de Somerset Maugham. Esta narrativa de entrada na idade adulta conta a história de Philip Carey, alter ego do autor na sua juventude, dividido entre o fervor religioso da família e o desejo de liberdade que os livros e os estudos lhe dão a conhecer. Na sua ânis por independência e aventura, Philip sai de casa em busca de uma carreira como artista em Paris. Mas os seus planos vão ser postos em causa quando se apaixona perdidamente pela mulher que mudará a sua vida para sempre.
Relato inigualável sobre o poder do desejo e da sede de liberdade do homem moderno, Servidão Humana coloca-nos friamente perante a nossa própria visão da vida, as nossas dúvidas e o poder transformador das decisões.
“Um dos meus escritores favoritos.”
Gabriel García Márquez
“Somerset Maugham foi o escritor moderno que mais me influenciou.”
George Orwell
“Um escritor com uma dedicação tremenda.”
Graham Greene
“Um dos grandes livros do nosso tempo.”
“Um romance magnífico… Formado pelas experiências, sonhos, esperanças, desilusões, discórdias e filosofias de uma alma estranhamente voraz, é um farol pelo qual o viajante se pode guiar.”
The New Republic
William Somerset Maugham, um dos mais famosos romancistas e dramaturgos ingleses do século XX, nasceu em Paris, em 1874. Filho de diplomatas britânicos, cedo ficou órfão, tendo sido educado por um tio, vigário de Whitstable. Apesar de ter estudado Medicina na Alemanha e em Londres, nunca chegou a exercer, tendo sido, entre muitas outras actividades, condutor de ambulâncias durante a Primeira Guerra Mundial (à semelhança de escritores como Ernest Hemingway) e espião. As suas viagens um pouco por todo o mundo influenciaram profundamente a sua escrita. Em 1928 comprou uma propriedade na Riviera francesa, onde recebeu as mais importantes figuras do mundo literário, social e político da sua época, e que seria a sua casa até 1965, ano da sua morte.
Entre as suas obras mais conhecidas, destacam-se Servidão Humana e O Fio da Navalha (já publicados na Colecção Vintage). Para além destes romances, fazem parte do catálogo da ASA as suas obras Paixão em Florença, A Lua e Cinco Tostões, As Paixões de Julia e O Véu Pintado. Em 1947 instituiu o Somerset Maugham Award, prémio que distinguiu, entre outros, escritores como V. S. Naipaul, Kingsley Amis, Alan Hollinghurst, Julian Barnes e Zadie Smith. Muitos dos seus romances já foram adaptados ao cinema.
o livro do riso e do esquecimento