Depois do affair Miller, que escandalizou Paris com a publicação de Sexus, Henry Miller prosseguiu a sua Trilogia da Rosa-Crucificação com este Plexus, originalmente editado em 1953.
A relação obsessiva com Mona, que já atravessara o primeiro volume, coloca agora o narrador a braços com a sobrevivência diária, depois de desistir de um emprego estável numa companhia telegráfica para se dedicar à escrita. Ao sexo, às bebedeiras e às deambulações filosóficas sem outro método que não o ir andando junta-se a necessidade de arranjar dinheiro e a persistência de escrever e publicar. Miller negou sempre o carácter autobiográfico desta trilogia, e em benefício de uma leitura baseada apenas no texto e não nos factóides que o envolvem, essa é a postura mais indicada, mesmo que não seja difícil encontrar ecos da vida do autor nesta catadupa torrencial e desordenada de personagens alucinadas, noites de copos com final imprevisível e desejos mais ou menos concretizados (com mais ou menos acrobacias circenses pelo meio). A alternativa de ler Plexus, bem como os outros dois volumes da trilogia, como uma descrição da vida do autor pode ser tentadora do ponto de vista da bisbilhotice mas retira à leitura a sua maior dádiva: a queda, sem rede, dentro de uma narrativa labiríntica, povoada pelas personagens mais improváveis e desarticuladas e ritmada pelos impulsos e pela urgência de os satisfazer.
Crítica de Sara Figueiredo Costa, a Plexus, de Henry Miller, publicada na Time Out Lisboa, no dia 3 de Fevereiro.
Com o seu vestido persa muito justo e um turbante a condizer, estava encantadora. A Primavera tinha chegado e ela calçara luvas compridas e drapeara displicentemente à volta do pescoço belo e robusto uma linda estola em pele, de um tom cinzento-acastanhado. Decidíramos procurar apartamento
No dia em que resolvemos procurar o nosso ninho de amor estávamos radiantes. Sempre que chegávamos a um pórtico e tocávamos à campainha abraçava-a e beijava-a vezes sem conta. O vestido assentava-lhe como uma luva. Nunca a tinha visto tão atraente. Às vezes a porta abria-se antes de nos conseguirmos separar. Havia alturas em que nos pediam para mostrar a aliança ou a certidão de casamento.
Perto do final do dia demos com uma mulher do Sul, liberal e calorosa, que pareceu gostar logo de nós. A casa que tinha para alugar era impressionante, mas muito acima das nossas posses. É claro que Mona estava decidida a ficar com ela; era mesmo o tipo de casa onde sempre sonhara viver. O facto de a renda ser o dobro do que fazíamos tenções de pagar não a incomodava nada. Eu que deixasse tudo por conta dela – daria conta do recado. A verdade é que eu queria o apartamento tanto quanto ela, mas não tinha ilusões quanto a dar conta do recado. Estava convencido que se ficássemos com ele afundar-nos-íamos.
É claro que a mulher com quem conversávamos não suspeitava que constituíamos risco. Estávamos confortavelmente sentados no apartamento dela, no andar de cima, a beber xerez. O marido não tardou a chegar. Também ele nos achou um casal muito simpático. Era da Virgínia, um verdadeiro cavalheiro. A minha posição no mundo cosmodemónico impressionou-os claramente. Mostraram-se muito espantados por ver alguém tão novo como eu numa posição de tanta responsabilidade. Mona, é claro, aproveitou-se completamente da situação. A acreditar no que ela dizia, eu já estava na calha para o lugar de superintendente, e dentro de poucos anos alcançaria a vice-presidência.
Continue a ler o primeiro capítulo de Plexus, de Henry Miller, aqui.
PLEXUS é o romance central da trilogia “Rosa-Crucificação”, iniciada com SEXUS. Relato ficcionado da frenética e extraordinária vida de Henry Miller com a sua sensual segunda mulher, Mona, em Nova Iorque, é um testemunho da caótica metamorfose do autor e do seu absoluto amor pela vida.
Encorajado por Mona e ansioso por se dedicar à escrita, Henry Miller abandona o seu emprego estável na Companhia Telegráfica Cosmodemónica. O quotidiano transforma-se então numa inglória mas sempre criativa luta pela sobrevivência, em que ambos são desesperadamente pobres e absurdamente felizes. Nos seus relatos de uma vida simultaneamente sublime e miserável, PLEXUS é, acima de tudo, uma história de amor – o amor incondicional e obsessivo que Miller sente por Mona, apesar dos seus defeitos; pela vida, apesar dos seus muitos reveses; e pela língua inglesa.
Publicado originalmente em Paris em 1953 e proibido nos Estados Unidos e na Grã-Bretanha durante quase quinze anos, PLEXUS é uma erótica celebração de uma vida dissoluta.
“A vida de Henry Miller é um testemunho na carne do que foi o século XX:”
Expresso
“A grandeza de Henry Miller reside na sua capacidade para sentir todos os medos e pânicos do Homem. Como escritor, nunca se permite pousar a caneta, porque tudo o que tem a dizer acerca das estranhas e não tão estranhas criaturas que povoam a sua vida nunca chegará ao fim. Ele escreve com uma energia e autenticidade ousadas. Mais do que qualquer outro homem, ele vive nas zonas proibidas.”
Time
“Plexus é simplesmente o mais extraordinário romance de emoções e ideias, visões e pesadelos, sobre o Homem e a sociedade no século XX.”
Maxwell Geismar
“Henry Miller é incomparável a fazer aquilo que melhor sabe, num estilo irreverente.”
The New Yorker
Henry Miller nasceu em Dezembro de 1891, em Brooklyn,
Em 1930, Henry Miller foi viver para Paris. Durante os dez anos seguintes, misturou-se com os expatriados empobrecidos e os parisienses boémios, entre eles Brassaï, Artaud e Anaïs Nin, com quem manteve uma relação bastante documentada. O seu primeiro livro publicado, Trópico de Câncer, foi editado pela Oblisk Press
Henry Miller regressou aos Estados Unidos em 1940, estabelecendo-se
Henry Miller morreu a 7 de Junho de 1980,
A par de Sexus e Plexus, no catálogo ASA figuram também as obras O Sorriso aos Pés da Escada e Moloch ou Este Mundo Pagão.
Ernest Hemingway, Henry Miller e Jack London enchem as estantes do mundo inteiro e figuram entre os clássicos da literatura que nunca vão deixar de ser lidos. Para além da obra, deixaram um legado mais íntimo: a família.
(...)A história de John contrasta com a de Valentine. Neste caso, o último nome é Miller, herdado de Henry, autor de Trópico de Capricórnio e da trilogia composta por Sexus, Plexus e Nexus. As retrospectivas de vida fazem Valentine sorrir. Guarda recordações idílicas do pai, mesmo dos tempos de pobreza passados no recanto californiano do Big Sur, enquanto a aclamação mundial do escritor não acontecia (retratado
Foi figurante e dupla em cinema, empregada de restaurante, trabalhou em bares e numa loja de souvenirs. Hoje, com 63 anos, rejubila com a eleição de Barack Obama, como boa democrata que é. Quando recorda a sua educação, sente-se uma sortuda, criada num ambiente livre e criativo. "Ele não me dizia o que pensar, mas dava o exemplo. Era simpático e tratava com igual cordialidade tanto os eruditos como as pessoas mais simples." A vida de Henry Miller é um testemunho na carne do que foi o século XX. O escritor nasceu na época das carruagens puxadas por cavalos e viveu para ver o Homem ir à Lua e viajar em jactos privados. Foi uma autêntica testemunha da modernidade.
Mas como reagiria perante a realidade política e social dos nossos dias? Valentine não tem a certeza se o pai gostaria dos dias de hoje, porém não hesita perante a certeza de que se sentiria enojado com a falta de integridade e a ganância do mundo empresarial. No que à política diz respeito, o escritor sempre desconfiou da classe. Já Valentine não alinha pelo mesmo cepticismo. Democrata de longa data, vive, em estado de graça, a eleição de Barack Obama, apesar de recear que este seja assassinado. Entretanto, vai-se entretendo com uma tarefa hercúlea que é dar um destino ao enorme espólio de aguarelas pintadas pelo pai. Henry pintou-as às centenas. Muitas foram oferecidas, outras trocadas por mantimentos durante os tempos do Big Sur. Mas muitas foram-se acumulando numa garagem, em cima de uma mesa de pingue-pongue, em todo o lado.
Passados 25 anos de armazém, Valentine decidiu que era altura de as deixar ir. "Time to let go." Essa é a lógica por detrás do sítio de Henry Miller , onde estão à venda algumas aguarelas da colecção pessoal do escritor. Mas, apesar da dissipação das aguarelas e passados quase 30 anos da morte de Henry, Valentine continua com saudades, principalmente da "voz suave e rica" que mantinha conversas intermináveis.
Leia o artigo na íntegra da autoria de João Luz e publicado no Expresso, no dia 30 de Maio de 2009, aqui.
Realizado por Phlip Kaufman em 1990, Henry e June retrata o início a relação entre Henry Miller e Anaïs Nim, quando o autor de Sexus se muda para Paris. O filme conta com Maria de Medeiros, Fred Ward, Uma Thurman e Kevin Spacey nos principais papéis.
Se o conceito está na moda para tudo, por que não haveria de estar também para os livros? É o argumento para se reunirem estes três livros – com mais a caminho – sob o mesmo “tecto”: uma Colecção Vintage. O grafismo das capas pisca discretamente o olho ao conceito, mas não é esse o objectivo principal a reter. Aqui, é à intenção que se deve dar valor. Porque no fundo trata-se apenas de um bom motivo para dar nova vida a obras fundamentais de uma selecção cuidadosa de escritores conceituados. Se já temos Sexus – o ponto inaugural da fundamental trilogia Rosa-Crucificação –, O Livro do Riso e do Esquecimento – pano de fundo para toda uma obra de casamento entre humor e reflexão filosófica – e A Terceira Condição – o pulsar mais claro de uma voz que tem tanto de literária como de histórica –, não precisamos de pedir muito mais para que os ventos da moda vintage tenham sido bem aproveitados.
"Podíamos vê-lo a deambular, nos anos 30, nas ruas de Paris, cheio de fome. Fome de comida, fome de escrita, fome de leitura e, inevitavelmente, fome de sexo..."
Leia o resto da crítica de Filipa Melo, no Sol, a Sexus, de Henry Miller, aqui.
"Há livros que provocam um tal alarido fora das suas páginas que só quando o silêncio regressa são devidamente apreciados..."
Leia a continuação da crítica de Sara Figueiredo Costa, na Time Out, a Sexus, de Henry Miller, no blogue Cadeirão Voltaire.
Pianista, coveiro, bibliotecário, pugilista… estes foram, entre outros, alguns dos ofícios do inquieto Henry Miller. Filho de um modesto alfaiate nova-iorquino, cresceu nas ruas de Brooklyn, cenário inicial de uma vida que ele próprio descrevia como sendo “mais real e mais importante do que tudo o que pudesse inventar”. Desconcertantemente sincero, crítico e inconformista, abandonou a América com destino a Paris, na década de 1930, para levar uma vida literária boémia. Miller chamaria a esta morte da sua antiga existência e ressurreição como escritor a “Rosa-Crucificação”. Esta dramática transformação forneceu o leitmotiv para alguma da sua melhor escrita, corporizando tudo o que ele sentia acerca da autolibertação e da verdadeira vida do espírito.
SEXUS, o livro primeiro da trilogia “Rosa-Crucificação”, recorda, de forma ficcionada, a vida americana de Miller nos anos 20, quando, numa busca frenética por antídotos para o seu emprego monótono e a vida num “bairro morbidamente respeitável” com a sua mulher Maude, alimentou uma obsessão pela misteriosa e promíscua Mara.
Publicado originalmente em Paris em 1949, este picaresco e extraordinariamente sincero relato das escapadelas sexuais de Miller esteve proibido nos Estados Unidos e na Grã-Bretanha durante quase vinte anos.
Henry Miller levou mais de dez anos a completar a trilogia da “Rosa-Crucificação”, que iniciou em 1949 com Sexus – uma obra tão controversa que pôs Paris em grande alvoroço com o “affair Miller” (e que fez com que o seu editor fosse ameaçado com a prisão) – e a que se seguiu Plexus (1953) e, por fim, Nexus (1959). Estas três obras são uma deslumbrante exibição de instantâneos do quotidiano, sexo e ideias. Dos últimos dias de Miller
“A ausência de boas maneiras, inibições e de limitações morais com que Miller descreve as várias personagens, confere uma grande vitalidade a Sexus. Miller não consegue ser pomposo – uma rara virtude – e a sua honestidade é total.”
The Spectator
“A obra-prima de Henry Miller.”
Choice
“A literatura americana começa e acaba com o sentido do que Henry Miller fez.”
Lawrence Durrell
Deve ter sido numa quinta-feira à noite que a vi pela primeira vez no salão de dança. Apresentei-me ao trabalho de manhã, como um sonâmbulo, depois de ter dormido uma hora ou duas. O dia passou como um sonho. Depois de jantar, adormeci no sofá e acordei pelas seis da manhã, completamente vestido. Sentia-me completamente fresco, com o coração limpo e obcecado com uma ideia: tê-la a qualquer preço. Ao caminhar pelo parque, pensei em que tipo de flores devia mandar com o livro que lhe tinha prometido (Winesburg, Ohio). Estava a chegar ao meu trigésimo terceiro ano, a idade de Cristo crucificado. Tinha uma vida nova pela frente, tivesse eu a coragem de arriscar tudo. Na verdade não havia nada a arriscar: estava no fundo do poço, um falhanço em todos os sentidos.
Era sábado de manhã, e para mim o sábado sempre foi o melhor dia da semana. Animo-me quando os outros estão a cair de cansaço; a minha semana começa com o dia de descanso judaico. Aquela ia ser a melhor semana da minha vida e viria a durar sete longos anos, mas é claro que não fazia ideia. Sabia apenas que o dia era auspicioso e prometia agitação. Dar o passo fatal, atirar tudo para trás, já é em si uma emancipação; nunca me passou pela cabeça quais seriam as consequências. Rendermo-nos absoluta e incondicionalmente à mulher que amamos é quebrar todas as amarras, excepto o desejo de não a perder, que é a mais terrível amarra de todas.
o livro do riso e do esquecimento