Para ler a crítica do suplemento Weekend, do Jornal de Negócios, a O Fio da Navalha, de Somerset Maugham, basta clicar na imagem.
É agora reeditada a grande obra-prima de Somerset Maugham, um dos livros que marcou definitivamente a literatura mundial do século XX. Para ler com calma
Somerset Maugham teve muitas vidas: para além de escritor, assistiu à terrível transição do século XIX para o XX, e participou na I Guerra Mundial, primeiro como médico e depois como agente. Foi, de resto, enviado para a Rússia, em 1917, para tentar conseguir que os bolcheviques se mantivessem na guerra. Sem sucesso, é claro. Mas por isso não surpreende que o principal personagem de Servidão Humana (aquela que é considerada a sua obra-prima), Philip Carey, rejeita a arte em favor da medicina. É como uma declaração moral sobre a sua própria vida. Ao longo do livro, seguimos a vida de Philip, desde que fica órfão do pai com nove anos e, apesar de herdar uma pequena fortuna, esta é gerida pelo seu tio até ter 21 anos. Nos livros, ele descobre a forma de se evadir do mundo que o cerca. Philip vive, às vezes, num mundo de ficção.
É um rapaz reservado, que vai perdendo a pouco e pouco a sua fé. Apesar do seu talento nos estudos ele deseja abandonar a escola e ir para a Alemanha. Ali conhece dois outros jovens, Hayward e Weeks, que acabam por ter uma forte importância na sua crença. De regresso a Inglaterra, após uma paixão com uma mulher mais velha que não o convence, começa a pensar em estudar arte
Mas esta longa viagem na vida de Philip acaba por ser, para Somerset Maugham, o retrato da vida de muitos de nós. Philip busca o seu espaço de liberdade mas ele é sempre coarctado pelos interesses e ambições dos outros e pelo mundo que não consegue dominar. No choque entre o desejo, a desilusão e a infatigável luta pela liberdade, o grande escritor constrói aqui uma personagem que acaba por sedimentar grande parte da escrita do século XX. Ninguém duvida que muitos dos grandes autores do último século foram beber a este livro o universo de sonho, descrença e melancolia com que polvilharam as suas páginas. A paixão suicida de Philip por Milred, que nunca termina. “Subitamente sentiu um espasmo percorrer-lhe o corpo; à sua frente ia uma mulher que julgou ser Milred. Tinha a mesma figura e caminhava com aquele leve arrastar dos pés que lhe era tão característico. Sem reflectir, mas com o coração acelerado estugou o passo até se colocar ao lado dela, mas quando a mulher se voltou viu que se tratava de uma desconhecida. (…) Não se libertaria nunca daquela paixão?” Os dilemas de Philip são os do comum mortal, presos entre várias escolhas que não controlam. “O seu percurso sempre fora desviado pelo que acreditava que devia fazer e nunca pelo que de todo o seu coração queria fazer. Pôs agora tudo isso de lado com um gesto de impaciência. Sempre vivera no futuro e o presente sempre lhe fugura por entre os dedos. (…) não vira ele também que o padrão mais simples, aquele em que um homem nascia, trabalhava, casava, tinha filhos e morria, era igualmente o mais perfeito?” Este é um livro crucial para compreender os dilemas dos seres humanos nesta sociedade. É uma verdadeira obra-prima.
Crítica de Fernando Sobral a Servidão Humana, de Somerset Maugham, publicada no Jornal de Negócios, no dia 4 de Dezembro.
o livro do riso e do esquecimento