Sendo este romance já bastante longo, sinto até vergonha de o tornar ainda mais longo acrescentando-lhe um prefácio. O autor é provavelmente a última pessoa capaz de discorrer com objectividade sobre o seu próprio trabalho. O distinto romancista francês Roger Martin du Gard conta, a propósito desta questão, uma história exemplar sobre Marcel Proust. Proust queria que determinado jornal francês publicasse um artigo sobre o seu grande romance e, pensando que ninguém seria capaz de o fazer melhor do que ele, sentou-se à secretária e escreveu-o ele mesmo. Depois pediu a um jovem amigo, também escritor, que o assinasse e entregasse ao director do jornal. O jovem assim fez, mas passados alguns dias o director mandou-o chamar. “Tenho de recusar o seu artigo” disse ele. “Marcel Proust jamais me perdoaria se eu publicasse uma crítica tão superficial e contundente sobre a sua obra.” Embora os autores sejam susceptíveis em relação ao seu trabalho e revelem tendência para reagir mal às críticas desfavoráveis, raramente o que produzem os satisfaz, pois têm consciência da incomensurável distância que separa a ideia original da obra a que dedicaram tanto tempo e esforço e, ao pensarem nisto, ficam muito mais contrariados com a sua incapacidade de expressarem essa ideia na íntegra do que satisfeitos com algumas passagens para que podem olhar com complacência. O seu objectivo é a perfeição e estão dolorosamente conscientes de não a terem atingido.
o livro do riso e do esquecimento